Desde sua publicação, a Medida Provisória (MP) nº 1.202/23 tem sido alvo de críticas justificadas por parte dos contribuintes. Estas críticas são especialmente direcionadas à sua abordagem exclusivamente voltada para a arrecadação, que impactou repentinamente o planejamento financeiro das empresas para o ano de 2024.
Entre as mudanças introduzidas pela MP, destaca-se aquela delineada no artigo 4º, que confere ao Poder Executivo o poder de promulgar uma medida para limitar o valor mensal das compensações transmitidas pelos contribuintes, abrangendo créditos provenientes de decisões judiciais definitivas.
Apesar da justificativa inicial estar relacionada ao tão debatido “julgamento do século”, é evidente que o escopo dessa restrição ultrapassa os créditos derivados dessas ações específicas, impactando também os créditos provenientes de qualquer processo pendente perante o judiciário.
Após a implementação da limitação, vários acadêmicos manifestaram discordância em relação à medida adotada pelo Poder Executivo, resultando em uma série de ações judiciais buscando anular os efeitos do artigo 4º da MP nº 1.202/23.
Até agora, diversas justificativas foram apresentadas, desde a interpretação do veredicto no Tema nº 345 dos recursos repetitivos até a necessidade de respeitar o princípio da anterioridade.
Embora esses argumentos tenham uma base jurídica sólida, não é neles que nos concentramos neste estudo. Mesmo que se considere a MP como constitucional e legal (uma posição que não compartilhamos), sua regulamentação pela Portaria MF nº 14/24 ultrapassou os limites do poder regulamentar conferido, violando o princípio da reserva legal.
De acordo com o § 1º do artigo 1º da Portaria MF nº 14/24, o valor de cada parcela mensal está restrito ao valor total do crédito dividido pela quantidade de meses.
Isso significa que, na prática, um contribuinte que possua, por exemplo, um crédito de R$ 12 milhões para compensar com a Fazenda Nacional só poderá usar uma parcela de R$ 1 milhão por mês, independentemente da existência de débitos que ele queira compensar.
Essa abordagem é claramente prejudicial aos contribuintes, já que em alguns meses eles podem ter débitos equivalentes a R$ 500 mil e, em outros, de R$ 2 milhões, mas não conseguem usar o saldo positivo do mês em que pagaram menos de R$ 1 milhão em tributos para compensar os débitos superiores a R$ 1 milhão no mês seguinte.
Considerando que muitos tributos federais não são apurados mensalmente (como o IRPJ e a CSLL, que têm apuração trimestral), é evidente que essa situação ocorre regularmente, causando um grande impacto financeiro ao contribuinte.
A sistemática criativa instituída pela Portaria MF nº 14/24, visando a aumentar a arrecadação, impede que o contribuinte, mesmo tendo um crédito de R$ 12 milhões para usar dentro de um exercício financeiro, o utilize integralmente, uma vez que não lhe é permitido escolher o valor a ser usado em um determinado mês ou carregar o saldo positivo de um mês para o próximo.