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Análise de Constitucionalidade da Operação sem Escalas

O presente texto traz uma análise constitucional da Operação Sem Escalas deflagrada pela SEFAZ/SP.
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Análise de Constitucionalidade da Operação

Análise de Constitucionalidade da Operação

A Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo deflagrou em 2019 a Operação Sem Escalas. Essa operação apurou suspeitas de sonegação de ICMS em operações de importação.

Segundo a Secretaria da Fazenda, as empresas declaravam estabelecimentos de outros estados como importadores para obter benefícios fiscais. As mercadorias, no entanto, às unidades paulistas do grupo.

 O início da investigação se deu sob o fundamento de que o ICMS que incide sobre mercadorias importadas tem relação com o local do estabelecimento onde a mercadoria entra fisicamente.

Entretanto, se analisarmos com base na Constituição Federal, podemos notar que este fundamento é inconstitucional.

No presente texto, analisaremos a constitucionalidade da Operação Sem Escalas.

O FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO ICMS NA IMPORTAÇÃO

Como se sabe, o ICMS é o imposto que incide sobre a circulação de mercadorias e serviços.

Inicialmente, é de suma importância conceituar alguns termos para que possamos adentrar mais profundamente neste caso concreto. Um destes termos é circulação.

A circulação é definida pela doutrina como a movimentação de mercadorias que pode ser distinguida entre circulação física e circulação jurídica. 

A circulação física diz respeito a movimentação corpórea da mercadoria, enquanto a jurídica corresponde a transferência de propriedade.

Diante desta distinção, precisa-se destacar que o conceito adotado pela Carta Magna de 1988 (art. 155, § 2º, inciso IX, alínea a), quando se refere ao imposto sobre a circulação de mercadoria e serviços e mais especificamente em relação às importações, corresponde estritamente a circulação jurídica, isto é, refere-se à transferência da propriedade destas mercadorias e não considera obrigatória a circulação física.

Além de ser um conceito constitucional, a jurisprudência também já consolidou esta acepção acerca desse conceito na Súmula nº 166.

Afirmando que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Portanto, é de clara compreensão que o ICMS incide sobre circulação de mercadoria desde que esta seja jurídica.

Análise de Constitucionalidade da Operação

Além do conceito de circulação para fins de incidência do ICMS, é de suma importância compreender também a caracterização do sujeito ativo nas obrigações tributárias.

Aqui trataremos mais especificamente na incidência do ICMS nos casos de circulação de mercadorias advindas do exterior.

Vejamos:

A definição de sujeito ativo da obrigação tributária está disposta no art. 19 do CTN que define que o sujeito ativo da obrigação tributária é a pessoa jurídica titular da competência para exigir o seu cumprimento. Ou seja, o sujeito ativo é o Estado credor que recolherá o ICMS.

Após termos analisado esse contexto constitucional da circulação de mercadorias e o sujeito ativo das relações tributárias, é necessário compreender as especificidades da circulação de mercadorias importadas.

Análise de Constitucionalidade da Operação

No caso das operações de entrada de mercadorias importadas que incide o ICMS, estabelece a Constituição federal no art. 155, § 2º, inciso IX, alínea a, que o sujeito ativo é o Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço.

A circulação de mercadoria importada pode ocorrer diretamente para o importador, mas pode ocorrer também por meio de intermediação. Dentre os tipos de intermediação estão a importação por conta e ordem de terceiro e a importação por encomenda.

Estes dois tipos de importação implicam em situações distintas de incidência do ICMS e a análise dessa distinção nos importa para avaliação da operação sem escalas.

O que nos importa saber para aplicar ao presente caso é que, na importação por conta e ordem de terceiro, o adquirente contrata uma empresa importadora. Essa é chamada de trading, a quem será destinada a intermediação da importação.

Enquanto na importação por conta e ordem de terceiro, como o nome já explicita, o adquirente é responsável pelo recolhimento dos tributos referentes à importação.

Já na importação por encomenda, o adquirente contrata uma empresa importadora que será responsável por todo o procedimento de importação. Essa será, inclusive responsável pelo recolhimento dos impostos correspondentes a todo o procedimento de importação. Neste tipo de importação, o adquirente não é responsável por esses recolhimentos.

Identificar o Estado Credor

É importante observar que nos dois tipos de importação os sujeitos da relação tributária são distintos, e consequentemente o Estado credor também será distinto.

Na importação por conta e ordem de terceiro o Estado credor do ICMS é o Estado em que se localiza o adquirente. Enquanto na importação por encomenda o Estado credor do ICMS é o Estado em que está localizado a empresa importadora contratada.

Ambas as formas de importação se dão por intermédio de outra empresa e o que comprova a aplicação específica de cada tipo de contratação é o que está disposto no contrato apresentado na Receita Federal e, além disso, é importante que sejam preenchidos os requisitos estabelecidos em jurisprudência do TIT/SP.

As jurisprudências do TIT/SP elencam como requisitos para adequação a cada tipo de importação:

  • a circulação jurídica das mercadorias
  • as cláusulas contratuais coerentes com o tipo de importação como, por exemplo, a exclusividade do adquirente nos casos de importação por encomenda;
  • a coerência das provas do pagamento das operações de importação e qual das empresas arcaram com os custos da importação e com as mercadorias importadas, isto é, se os recursos utilizados nos pagamentos eram da adquirente ou da importadora contratada
  • quanto aos documentos, se estavam de acordo com o tipo de importação específico

Analisados estes requisitos, se identifica o tipo de circulação de importação e, finalmente, identifica-se o sujeito passivo e Estado credor do imposto. 

ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA OPERAÇÃO SEM ESCALAS

Entendido isso e agora fazendo uso do que apuramos sobre o que é a circulação para efeitos tributários e sobre quem é o sujeito ativo e o sujeito passivo das obrigações tributárias que envolvem importação, podemos analisar mais especificamente o caso da Operação Sem Escala.

Na referida investigação, fundamentou-se que as empresas estariam sonegando imposto por meio da realização de simulação de circulação da mercadoria. Isto é, o ilícito teria sido cometido pelas empresas ao emitir a nota fiscal de importação em Estado com maior benefício fiscal e, sem que houvesse circulação física da mercadoria neste. 

Após isso, era emitida uma nova nota de transferência para o Estado de São Paulo, onde as mercadorias seriam descarregadas e circulariam fisicamente.

Segundo a SEFAZ/SP, baseia a investigação o que estabelece o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo no art. 11, inciso XIII, que diz que o destinatário paulista de mercadoria ou bem importados do exterior por importador de outro Estado ou do Distrito Federal e entrados fisicamente neste Estado, é responsável pelo recolhimento do imposto incidente no desembaraço aduaneiro e em operação subsequente da qual decorrer a aquisição da mercadoria ou bem.

ICMS em São Paulo aumenta
Sede da Secretaria de Fazenda de São Paulo, na capital paulista. Foto: Divulgação / Governo de São Paulo

Nesta alegação, a SEFAZ/SP teria reconhecido a importação como sendo uma importação por conta e ordem de terceiro, ou seja, ainda que a mercadoria tivesse circulado juridicamente em outro estabelecimento de outro Estado, o tributo deveria ser recolhido em favor do Estado São Paulo, tendo em vista que nesta forma de importação o Estado do adquirente é o credor do imposto.

Além disso, podemos observar com a abertura dessa investigação que a SEFAZ/SP adotou o conceito de circulação física para alegar que o imposto estaria sendo sonegado.

A Inconstitucionalidade

 Entretanto, como já foi exposto anteriormente, a circulação jurídica é a abordagem de circulação que deve ser utilizada para fins tributários.

Então, torna-se evidente que o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo está em total desacordo com o que estabelece a Constituição Federal brasileira.

Portanto, o procedimento de emissão das notas fiscais não pode ser considerado ilícito. Isso tendo em vista que o texto constitucional é claro quanto a não-obrigatoriedade de circulação física para que haja incidência do imposto.

Pirâmide de Kelsen

Segundo Kelsen, a Constituição é o topo da escala hierárquica entre as normas, por ser esta o fundamento de validade das demais. Assim nenhuma norma do ordenamento jurídico pode se opor à Constituição, pois ela é superior a todas as demais normas jurídicas, as quais são denominadas infraconstitucionais.

Portanto, estando o RICMS de São Paulo em desacordo com a norma superior constitucional, não é devida a sua aplicação.

Além disso, é necessário analisar se há comprovações suficientes por parte da SEFAZ/SP para enquadrar a importação por conta e ordem de terceiro. Pois se a importação que ocorreu foi por encomenda não há que se falar que o Estado de São Paulo é credor, uma vez que o Estado credor é aquele onde fica a empresa importadora e não o adquirente.

Desta forma, com base no fundamento constitucional e com base no que foi exposto sobre os tipos de importação, torna-se evidente que não teria ocorrido sonegação e tampouco simulação da circulação das mercadorias.

Tudo indica que ocorreu o recolhimento correto do ICMS, uma vez que a circulação ocorreu de fato em ambos os Estados, pois um era o Estado sede da empresa importadora que foi contratada sob encomenda, e posteriormente ocorreu a circulação interestadual cuja circulação da mercadoria se destina ao adquirente, não importando em que Estado a mercadoria ingressa fisicamente, mas sim a circulação jurídica específica que se aplica a este caso.

Isso basta para que o fundamento em que se baseia a realização da operação seja inconstitucional. Uma vez que se utiliza do conceito constitucional de circulação de forma distorcida e que identifica de forma incorreta o sujeito ativo.

O QUE TEM DECIDIDO O STF SOBRE OS FUNDAMENTOS UTILIZADOS PELA SECRETARIA DA FAZENDA DE SÃO PAULO NA OPERAÇÃO SEM ESCALAS?

OS tribunais têm afastado a hipótese de incidência do imposto sobre a mera circulação física das mercadorias que não figura uma real circulação jurídica. 

A Súmula nº 166 do STJ dispõe que:

“não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Além dessa súmula o STJ tem proferido diversas decisões favoráveis a este entendimento sobre a circulação das mercadorias. Além disso, tem proferido sentenças sobre a sujeição ativa nos casos de circulação de mercadoria decorrente de importação. 

O STJ tem reconhecido o Estado onde se encontra o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço importado como sendo o sujeito ativo da relação obrigacional tributária

Vejamos a seguinte ementa de uma decisão proferida recentemente, em 2017:

APELAÇÃO – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS NA IMPORTAÇÃO – SUJEITO ATIVO DO IMPOSTO – Pretensão de desembaraço aduaneiro de mercadoria importada (nafta) por empresa com estabelecimento situado no Estado da Bahia sem o recolhimento do ICMS – O ICMS é devido ao Estado em que situado o estabelecimento do importador, que juridicamente promoveu o ingresso do produto no país – A circulação física da mercadoria pelo território nacional é mera etapa intermediária da operação de importação, que somente se aperfeiçoa com a entrega da mercadoria ao importador – O aspecto a ser levado em consideração não é a movimentação física da mercadoria, mas sim a transferência da sua propriedade – Inteligência do artigo 155, inc. II, e §2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal – Precedentes – Ordem concedida – Sentença mantida – Reexame necessário e recurso da Fazenda improvidos. (STJ, 2019, online)

Além disso, temos as decisões do Tribunal de Impostos e Taxas sobre as importações por encomenda e as por conta e ordem de terceiros.

Diante disso, podemos observar, portanto, que os tribunais têm considerado inconstitucional essa prática de incidência de ICMS, adotada pela operação.

QUAIS SÃO OS DIREITOS DOS CONTRIBUINTES NESSE CASO?

Acerca dos direitos dos contribuintes, a Carta Magna brasileira de 1988 dispõe um rol de garantias fundamentais. Dentre delas há alguns princípios constitucionais que estabelecem limitações ao poder de tributar e ao poder de fiscalização.

É sabido que o contribuinte tem a obrigação de se sujeitar à fiscalização tributária, todavia, esse dever não pode se sobrepor aos direitos fundamentais.

É evidente que a Operação Sem Escala, deflagrada pela SEFAZ/SP, por possivelmente ser inconstitucional, fere alguns deles.

A deflagração da referida operação fere, por exemplo, o princípio da legalidade tributária. Esse que consiste na ideia de que o tributo somente pode ser criado por lei. No caso concreto da operação, a SEFAZ impõe a aplicação de um imposto de forma ilegal e, consequentemente, inconstitucional.

Além disso, o maior problema que ocorre durante este tipo de investigação é que a administração fiscal julga o contribuinte já como culpado ou inimigo. Assim, ignora o princípio que estabelece a presunção de inocência e retirando o direito à ampla defesa e ao devido processo legal.

A operação deflagrada, ainda sem julgamento de culpa, já tem causado consequências para além de mera investigação. Como se tem visto, as empresas têm sido expostas como sonegadoras na mídia sem que de fato tenha sido dada a oportunidade de contraditório e isto acarreta enormes prejuízos para os contribuintes.

Nas palavras de Aliomar Baleeiro (2010, p. 987), “Apenas abuso e arbítrio, ofensa à impessoalidade e à moralidade administrativa. Verdadeiro excesso na exação, uma vez que muitas dessas medidas trazem prejuízos muito maiores aos contribuintes do que o próprio tributo exigido (devida ou indevidamente)”.

Portanto, o contribuinte tem o direito de fazer sua defesa administrativa de forma justa com acesso a todas as garantias constitucionais pertinentes. Não podendo o contribuinte ser prejudicado pela forma imprudente de ação da Administração Fiscal. 

Diante do exposto, podemos perceber que há inconstitucionalidade nos fundamentos da Operação Sem Escalas deflagrada pela SEFAZ/SP, tendo em vista que foi adotado o conceito de circulação incompatível com a Constituição. Bem como é perceptível que está sendo aplicado tipo distinto de importação em relação a que de fato ocorre nas empresas, identificando de maneira incorreta o Estado credor do imposto.

Por fim, entende-se que a SEFAZ/SP está propondo uma investigação injusta e está cerceando as garantias fundamentais das empresas contribuintes que estão sendo investigadas. Faz isso ao expô-las como sonegadoras de altas quantias e como inimigas da sociedade brasileira antes mesmo de comprovar os fatos. 

Restaram dúvidas? Nós estamos aguardando seu contato para responder a todas as suas perguntas. Envie-nos um e-mail para [email protected] ou entre em contato através de nosso número: +55 82 3025.2408.

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Sobre Cícero Costa
Cícero Costa é advogado tributarista, professor de direito tributário, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, com MBA em negociação e tributação internacional e palestrante. Sua atuação prática em mais de 15 anos de experiência fizeram de Cícero um dos maiores especialistas em precatórios e importação em Alagoas.