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Decisões permitem liberação de mercadorias sem despachante aduaneiro

Especialistas apontam, no entanto, necessidade de regulação com regras, sanções e fiscalização
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Originalmente publicado:. Decisões permitem liberação de mercadorias sem despachante aduaneiro – JOTA

Duas decisões proferidas em janeiro pela Seção Judiciária de São Paulo permitem que empresas liberem mercadorias sem a intermediação de despachantes aduaneiros. As sentenças, da 24ª e da 11ª Vara Cível Federal, autorizam a atuação direta das empresas Operadoras de Transporte Multimodal (OTMs) e das Comissárias de Despacho no desembaraço alfandegário.

Para advogados, as decisões são importantes porque mudam o cenário do comércio exterior. Uma possível consequência seria o barateamento dos serviços sem a necessidade de as empresas terem despachantes em seus quadros. A não obrigatoriedade do uso de despachantes também é prevista no Acordo de Facilitação de Comércio (AFC), do qual o Brasil é signatário, como forma de conferir maior agilidade e desburocratização da circulação de mercadorias entre os países.

Especialistas apontam, entretanto, a necessidade de regulação da atuação das empresas sem os despachantes aduaneiros, estabelecendo, por exemplo, regras, sanções e como se dará a fiscalização.

As OTMs são empresas que transportam cargas usando duas ou mais modalidades de transporte mediante um único contrato, com registro junto à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT). As Comissárias de Despacho, por sua vez, são responsáveis por facilitar os trâmites e documentações que envolvem exportações e importações.

Já o despachante é o profissional que se encarrega de apresentar na alfândega a documentação estabelecida nas normas tributárias relativas ao despacho aduaneiro de importação ou exportação.

Decisões de SP

As decisões judiciais foram tomadas em ações movidas pelo Sindicato dos Comissários de Despacho, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis). A ação relativa às OTMs (processo 5002054-61.2020.4.03.6100) foi proferida no âmbito de um mandado de segurança coletivo. Já a relacionada às Comissárias de Despacho (processo 0006009-02.1994.4.03.6100) se deu em uma ação para cumprimento de decisão transitada em julgado do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF3).

O acórdão, proferido em 1994, permitiu a atuação das Comissárias no desembaraço aduaneiro. A juíza que julgou a ação recente entendeu que a Receita Federal não cumpriu a decisão anterior. Para o cumprimento, a magistrada determina a inclusão das empresas ao Siscomex, sistema online do governo federal para operações de comércio exterior.

As duas decisões determinam que a Receita Federal viabilize o registro das OTMs e das Comissárias de Despacho no Siscomex. Atualmente, os campos no registro do sistema admitem a inserção de CPF, mas não de CNPJ.

Na decisão que se refere às OTMs, o juiz Victorio Giuzio Neto afirma que a atuação das OTMs na representação de importadores e exportadores está prevista na lei 9.611/1998. Observa, ainda, que o Brasil é signatário do Acordo de Facilitação de Comércio, incorporado ao ordenamento jurídico pelo Decreto 9.326/2018, que busca justamente eliminar o emprego obrigatório de despachantes aduaneiros.

O magistrado afasta o argumento da Receita de que não seria possível a inclusão das OTMs no Siscomex por “limitação orçamentária”. ”A justificativa da Receita Federal de apenas uma ‘limitação orçamentária’ impedir que se faculte o acesso aos OTMs, especialmente quando se leva em conta o período em que existente a previsão legal, já regulamentada, não se sustenta (…) e revela, ao contrário, uma obstinada preservação de ‘status quo’ limitando a atividade de desembaraço alfandegário para os despachantes aduaneiros”.

Ele conclui estabelecendo prazo de 180 dias para alteração e adaptação dos sistemas informatizados da Receita para permitir a habilitação das OTMs.

Já na decisão relativa às Comissárias de Despacho, a juíza Regilena Emy Fukui Bolognese deu efeitos infringentes a embargos de declaração em uma ação para cumprimento de uma decisão de 1994 do TRF3. Ela considerou que a decisão foi descumprida, uma vez que a Receita Federal permitiu a atuação das Comissárias de Despacho por meio das pessoas físicas de seus dirigentes, mas não viabilizou sua inclusão no Siscomex. A juíza observou que a atuação das Comissárias de Despacho faz parte do ordenamento jurídico, uma vez que está prevista no Decreto-Lei 366/1968, que não foi revogado.

A magistrada deu um prazo de 30 dias para que a Receita encaminhe o pedido e informe um prazo para criação um perfil específico para as empresas no Siscomex, “ainda que disponibilizado apenas para a 8ª Região Fiscal, área à qual se refere a ação original”. Estabeleceu, ainda, que enquanto não for criado o perfil, a Receita Federal “deverá dar solução provisória para que as comissárias de despacho possam exercer suas atividades diretamente, sem interposição de intermediários”.

A reportagem entrou em contato com a Receita Federal, mas a assessoria de imprensa informou que o órgão não comenta decisões judiciais

Para Renata Bardella, sócia de Tributos Indiretos e Legislação Aduaneira do Schneider Pugliese, com as decisões os serviços de comércio exterior podem se tornar mais competitivos em termos de preço, com um único responsável por toda a transação. “Eu acho que [as decisões] estão muito em linha com o que se busca em termos de simplificação, de uma maior eficiência do comércio exterior”.

Na avaliação da advogada, nos últimos anos não houve resistência da Receita Federal à inclusão de OTMS e Comissárias de Despacho no processo de desembaraço, mas, sim, ausência de interesse.

“A questão não é nova. A questão é ter interesse em fazer isso, ou se outros temas estavam sendo priorizados [pela Receita]. O Siscomex é bastante engessado. Você não consegue, fora de determinados campos, trazer uma informação. Essas travas acabam inviabilizando a participação dos OTMs no despacho. São questões sistêmicas que têm um desdobramento prático para exportadores e importadores”, comenta.

No entanto, Valter Tremarin Jr, sócio da área Tributária e Aduaneira do Souto Corrêa e integrante da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/RS, vê dificuldades para que a Receita atenda à determinação judicial. “O Siscomex é um sistema, e qualquer atualização de sistema demanda uma série de ajustes que exigem dinheiro. Qualquer alteração tem um custo significativo”, avalia.

Ele aponta, ainda, a necessidade de regulação para que empresas possam atuar sem despachantes aduaneiros. ”As leis que são indicadas nos dois processos, uma de 1998 e outra de 1968, são objetivas ao dizer que OTMs e Comissárias podem ser representantes de exportadores e importadores. Mas precisaria ter uma lei trazendo clareza a isso, com uma regulamentação sobre como essas empresas deveriam atuar, que tipo de qualificação é necessária”, observa.

Disputa

A demanda das OTMs e Comissárias de Despacho para representar importadores e exportadores tem cerca de 30 anos. “[A atuação direta] contribui principalmente para a desburocratização. É muito mais fácil ter uma pessoa jurídica constituída garantindo uma operação do que um profissional pessoa física [despachante aduaneiro]. Era uma reivindicação do próprio mercado”, afirma Luiz Ramos, presidente do Sindicomis.

Segundo Ramos, com as decisões recentes, o Sindicomis pretende oferecer cursos para preparar as OTMs e Comissárias de Despacho para a atuação no desembaraço alfandegário. Para ele, a possibilidade de atuação direta das empresas, sem necessidade de subcontratação do despachante aduaneiro, tornará o comércio exterior mais ágil.

No entanto, Rogério Chebabi, diretor jurídico da Associação dos Despachantes Aduaneiros do Brasil (Adab), afirma que a dispensa dos despachantes aduaneiros traz insegurança jurídica às empresas que contratarem o serviço de desembaraço alfandegário.

“O despachante pode ser punido por má gestão pela Receita. Quem vai punir a OTM? Quem vai punir a Comissária de Despacho? Ninguém. Não tem legislação que permita fazer isso. Por isso, o despachante é mais seguro”, argumenta Chebabi.

Segundo ele, a Adab estuda de que forma atuar em relação à decisão na ação de cumprimento de sentença referente às Comissárias de Despacho. “A gente está estudando uma maneira de combater isso, talvez com uma ação nova. Estamos estudando a decisão de 1994 para ver se a legislação em que se baseou mudou”, afirma. Com relação à decisão sobre as OTMs, a Adab pretende ingressar no processo como terceiro prejudicado.

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Sobre Cícero Costa
Cícero Costa é advogado tributarista, professor de direito tributário, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, com MBA em negociação e tributação internacional e palestrante. Sua atuação prática em mais de 15 anos de experiência fizeram de Cícero um dos maiores especialistas em precatórios e importação em Alagoas.