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Preços de Transferência: Impactos para Além da Adoção de um Novo Sistema

A Medida Provisória 1152, publicada ao apagar das luzes de 2022, visa a alteração das regras brasileiras de preços de transferência
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Originalmente Publicado em:. Impactos para além da adoção de um novo sistema de preços de transferência – Jornal Floripa

A Medida Provisória 1152, publicada ao apagar das luzes de 2022, e que visa a alteração das regras brasileiras de preços de transferência, alinha-se ao que, há tempos, vinha sendo apresentado pela Receita Federal e pela OCDE, debatido com a sociedade civil e pleiteado por uma maioria.

Ao longo dos 48 artigos, podem ser identificadas mudanças abrangentes e relevantes que, uma vez, aprovadas e convertidas em lei, terão impactos significativos na precificação das operações entre partes relacionadas e na operacionalização das obrigações tributárias das multinacionais. Com aplicação facultativa para 2023, e obrigatória para 2024, garante-se um período de transição e adaptação aos contribuintes, respeitando-se os princípios constitucionais.

O novo sistema de preços de transferência, alinhado às diretrizes da OCDE, abandona a livre escolha dos métodos tradicionais com margens pré-determinadas, migrando para a aplicação do método mais apropriado, de acordo com o delineamento da transação controlada e a análise de comparabilidade realizada com transações entre partes não relacionadas.

Ao passo que torna a legislação brasileira de preços de transferência coerente ao que é aplicado em demais jurisdições — e, nesta linha, possibilita uma alocação de lucros mais consistente com a geração de valor na cadeia de suprimentos das empresas multinacionais — também importa suas complexidades, ao adotar integralmente o princípio do arm’s length, que parte da análise funcional e factual das transações realizadas.

São dois lados da mesma moeda. Por um lado, a adoção do princípio traz maior alinhamento entre a capacidade contributiva, o acréscimo patrimonial e a tributação da renda no país. Por outro, maiores incertezas, já que a análise passa a ser subjetiva, aplicando-se a cada transação de modo a identificar as características economicamente relevantes passíveis de comparação e precificação pelo novo sistema.

Destacam-se, entre as mudanças especificas[1]:

a) o alargamento do conceito de commodities e a eliminação dos métodos obrigatórios, sendo apenas recomendável como método mais apropriado o método dos Preços Independentes Comparados (PIC) com base nos preços de cotação;

b) o delineamento de transações com intangíveis e intangíveis de difícil valoração, sendo irrelevante, para esta classificação, o seu reconhecimento contábil, englobando operações adicionais às atualmente sujeitas às regras de preços de transferência;

c) a expressa delimitação dos contratos de compartilhamento de custos e serviços intragrupo, excetuando-se apenas algumas operações intragrupo como não sujeitas à regras;

d) a aplicabilidade das regras de preços de transferência e a alocação proporcional de lucros nas reestruturações de negócios, análise antes não realizada no país.

Especificamente quanto às operações financeiras, diversas hipóteses, atualmente não endereçadas na legislação de preços de transferência brasileira, passam a ser definidas — como garantias, cash-pooling e contratos de seguro —, o que, juntamente com a eliminação das taxas e spreads pré-determinados, viabiliza uma precificação de operações intragrupo mais condizente com o mercado, ainda que não menos complexa.

Uma interpretação atenta da norma, entretanto, poderá identificar impactos para além da implementação de um novo sistema de preços de transferência.

Quanto aos contratos de compartilhamento de custos, uma possível interpretação das regras revela que somente casos muito específicos não serão tratados como serviços intragrupo. Os impactos, em linha com controvérsias atuais, ultrapassam as regras de preços transferência e da tributação sobre a renda, tendo em vista a incidência dos demais tributos sobre serviços (ISS, PIS/Cofins e Cide). Ponderação semelhante aplica-se às garantias que poderão ser consideradas como serviços.

Há, também, mudança de paradigma para a dedutibilidade de despesas financeiras. Os juros e as outras despesas de uma operação financeira classificada como de capital e não de dívida (os chamados instrumentos financeiros híbridos), a contrário do que está previsto hoje na Lei 12.973/14, serão indedutíveis para fins de IRPJ e CSLL.

Para o delineamento da operação como de capital, serão consideradas as características economicamente relevantes da transação, as perspectivas das partes e as opções realisticamente disponíveis. Coexistirão, ao que tudo indica, dois regimes: para contribuintes sujeitos às regras de preços de transferência, deixa de ser observada a substância jurídica e passa a ser ponderada a substância econômica, factual e quiçá realidades alternativas, para a determinação da dedutibilidade das despesas da base de cálculo dos tributos sobre a renda; para os demais, continuará aplicável o regime atual.

Revogam-se as limitações atuais à dedutibilidade de royalties, incluindo-se as aplicáveis à assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante. Porém, as novas restrições inviabilizam a dedutibilidade de todos os montantes remetidos ao exterior para residentes em países com tributação favorecida ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado. Se os valores remetidos resultarem em dupla não tributação, porque deduzidos duplamente ou não tributáveis por outra parte relacionada, também serão considerados indedutíveis. Para diversas multinacionais, as limitações poderão resultar em um cenário mais restritivo do que o atual.

Além dos impactos materiais, deve ser conferida especial atenção aos impactos operacionais, já que os contribuintes deverão apresentar documentação exaustiva para comprovação do delineamento da transação controlada e da análise de comparabilidade realizada, incluindo-se informações extensivas às transações do grupo multinacional —alocação global das receitas, dos ativos e do imposto sobre a renda pago pelo grupo a que pertence o contribuinte, juntamente com os indicadores relacionados à sua atividade econômica global. São aplicáveis penalidades, em caso de não observância.

Por fim, estão previstas medidas de simplificação, a serem regulamentadas pela Receita Federal. Destacam-se os processos de consulta específico (similares aos acordos prévios de preços de transferência) e as orientações a serem emitidas pela Receita. Enquanto principais medidas para aumento de segurança jurídica e praticabilidade do princípio do arm’s length, preocupa se serão regulamentadas e implementadas de modo eficiente, haja vista a exígua experiência em demais países em desenvolvimento[2]. As orientações, se vinculantes à administração tributária, poderão trazer maior direcionamento aos contribuintes, ou aumento do contencioso, se contraditórias e extrapolarem o disposto na norma.

A despeito dos avanços na adoção de uma legislação alinhada aos padrões internacionais – ao reduzir distorções e possibilidades de dupla tributação ou dupla não tributação em operações internacionais –, sendo louvável os esforços da Receita Federal e da OCDE, os contribuintes devem estar preparados para todos os impactos decorrentes, incluindo-se restrições adicionais à dedutibilidade de despesas adicionais, assim como a utilização da análise jurídica realizada como referência para a incidência de demais tributos.

[1] Este artigo não tem o propósito de ser exaustivo quanto às mudanças e seus impactos, mas apenas pontuar algumas mudanças. Outras diversas ponderações poderiam ser elencadas.

[2] Com exceção do México, devido ao tratamento tributário específico conferido às maquiladoras.

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Sobre Cícero Costa
Cícero Costa é advogado tributarista, professor de direito tributário, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, com MBA em negociação e tributação internacional e palestrante. Sua atuação prática em mais de 15 anos de experiência fizeram de Cícero um dos maiores especialistas em precatórios e importação em Alagoas.