Em 2017, o Supremo Tribunal Federal determinou que o ICMS não deve ser considerado na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), uma vez que se trata de um ônus fiscal que apenas transita pelo patrimônio do contribuinte, não constituindo receita ou faturamento da empresa. Essa decisão, correta do ponto de vista jurídico, resultou em uma perda financeira para a União, que passou a buscar novos métodos para aumentar sua arrecadação.
Recentemente, a Receita Federal lançou uma nova estratégia de arrecadação. Por meio da Solução de Consulta Cosit 61/2024, o Fisco passou a permitir a cobrança de PIS e Cofins sobre o adicional de ICMS destinado ao financiamento dos Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP). Esse adicional é uma cobrança acessória ao ICMS e possui uma natureza jurídica similar à do imposto estadual, estando sujeito às mesmas normas constitucionais (artigo 82, § 1º, do ADCT).
Para justificar essa nova cobrança, a Receita afirma que a natureza jurídica do adicional difere da do ICMS, e, portanto, a decisão do STF no RE 574.706 não se aplicaria a ele. No entanto, ao examinarmos os argumentos apresentados pelo Fisco, fica evidente que isso é uma estratégia para satisfazer a incessante busca de arrecadação do governo federal.
O Fisco argumenta, primeiramente, que o ICMS é um imposto não cumulativo, ou seja, cada operação gera créditos que podem ser compensados nas operações seguintes, evitando a tributação em cascata. Por outro lado, afirmam que o adicional de ICMS seria cumulativo.
Entretanto, a cumulatividade não é um critério relevante para a classificação de tributos, e o próprio ICMS pode apresentar características cumulativas em determinadas situações.
Restrições à não cumulatividade do ICMS
Um exemplo claro das limitações à não cumulatividade do ICMS é a recorrente restrição quanto aos bens adquiridos para uso e consumo. Embora o direito a créditos nessas situações decorra do princípio da não cumulatividade, a legislação infraconstitucional tem promovido diversas alterações no artigo 33 da LC 87/1996, dificultando significativamente o exercício desse direito.
Atualmente, a redação do dispositivo permite a tomada de crédito sobre bens de uso e consumo apenas a partir de 2033, data em que, supostamente, o ICMS deixará de existir em virtude da reforma tributária. Apesar disso, essa medida foi considerada constitucional pelo STF no julgamento do RE 601.967.
Além disso, a Receita Federal argumenta que o adicional destinado ao FECP não se submete à repartição de receitas prevista no artigo 158, IV, da Constituição, que determina que 25% do ICMS seja destinado aos municípios.
Entretanto, a repartição de receitas entre diferentes entes federativos não é um critério que define a natureza tributária, mas sim uma questão relevante para o direito financeiro, envolvendo um momento posterior à relação jurídico-tributária entre o contribuinte e a entidade tributante.
Por fim, o Fisco sustenta que os valores arrecadados com o adicional de ICMS possuem destinação específica — o financiamento dos Fundos de Combate à Pobreza — e, por isso, não teriam natureza jurídica de imposto.
ICMS não é receita ou faturamento
A ausência de destinação legal da arrecadação é uma característica fundamental dos impostos, mas a Constituição admite exceções, como a vinculação de receitas a ações de saúde, educação e administração tributária (artigo 167, IV). A destinação do adicional de ICMS aos Fundos de Combate à Pobreza é mais uma exceção à regra da não vinculação da receita.
Ademais, a Receita Federal não aborda um ponto crucial: se o adicional não possui a mesma natureza do ICMS, então o que ele é? Não se encaixa como taxa, contribuição de melhoria ou empréstimo compulsório. A única possibilidade seria classificá-lo como “contribuição”, o que seria inconstitucional, já que os Estados só podem instituir contribuições para regimes próprios de previdência, enquanto a criação de novos tributos é uma competência residual da União (artigo 154, CF).
De qualquer forma, o adicional de ICMS não é receita ou faturamento do contribuinte e, portanto, não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins. Esse entendimento tem sido respaldado por decisões recentes da jurisprudência.
Por exemplo, no Processo 6005420-78.2024.4.06.3801, em tramitação na 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), foi registrado que “o adicional FECP tem natureza semelhante ao ICMS, de modo que a empresa apenas o arrecada e repassa ao Estado, sem aumentar seu próprio faturamento”.
Da mesma forma, o juiz da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro afirmou que “o adicional de ICMS destinado ao FECP não refletiria a riqueza obtida com a operação, pois constitui ônus do contribuinte e não faturamento” (Processo 5033811-51.2024.4.02.5101).
O juiz da 1ª Vara Federal de Macaé (RJ) observou que os adicionais de ICMS possuem “a mesma natureza dos impostos”, e que “o constituinte nunca teve a intenção de criar uma nova figura tributária, que, ao final, seria de duvidosa constitucionalidade, considerando a limitada capacidade de estados e municípios de instituírem novas contribuições” (Processo 5002648-08.2024.4.02.5116).
Embora a cooperação tributária tenha sido recentemente reconhecida como um princípio constitucional (artigo 145, § 3º), é evidente que os conflitos entre Fisco e contribuinte continuarão até que o governo federal cesse sua busca incessante por aumentar a arrecadação a qualquer custo. Enquanto essa postura não mudar, o único caminho viável para os contribuintes será recorrer ao Judiciário.