Em uma votação expressiva nesta quarta-feira (30/10), a Câmara dos Deputados rejeitou, com 403 votos a favor, a proposta de permitir que estados taxassem a transmissão por herança de contribuições aos planos de previdência privada.
Esse dispositivo fazia parte do segundo Projeto de Lei Complementar (PLP) que visa regulamentar aspectos da reforma tributária, recentemente aprovada pelo Congresso. A votação na Câmara marcou o encerramento de uma série de debates acalorados e de posições divergentes entre parlamentares e governos estaduais, consolidando o texto final que agora segue para apreciação no Senado.
Contexto e histórico da proposta
Originalmente, o mecanismo de taxação foi incluído a pedido de estados que buscavam harmonizar a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre planos de previdência privada.
De acordo com a minuta inicial do PLP, apresentada pelo Ministério da Fazenda, a intenção era integrar essa taxação ao funcionamento do futuro Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A ideia, que foi discutida em uma coletiva de imprensa com representantes da Fazenda, gerou uma repercussão negativa e, diante das críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu não incluir o item no texto enviado ao Congresso.
No entanto, ao relatar o texto no Congresso, o deputado Mauro Benevides (PDT-CE) retomou o dispositivo, estabelecendo a taxação de heranças transmitidas por planos de previdência privada, mas com uma restrição específica.
Na versão revisada, a incidência do ITCMD seria aplicada apenas aos planos de previdência do tipo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) com prazos inferiores a cinco anos, visando uma arrecadação concentrada em benefícios mais curtos e, portanto, com menor caráter de longo prazo.
A Câmara aprovou o texto-base da proposta em agosto, mas a tramitação acabou suspensa em razão do período eleitoral das eleições municipais. Nesta semana, os deputados retomaram a votação e passaram a avaliar destaques, com um bloco de parlamentares pressionando pela derrubada da taxação sobre previdências privadas.
Em meio a debates intensos e negociações de bastidores, Benevides sugeriu uma emenda que eliminava a cobrança em troca da retirada dos demais destaques, o que viabilizou um acordo. Assim, a emenda foi aprovada e os demais destaques foram derrubados, entre eles um do PSOL, que buscava instituir um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).
Uniformização e segurança jurídica: uma necessidade versus os riscos de judicialização
A proposta de tributar a herança em planos de previdência privada surgiu do desejo dos estados de uniformizar a aplicação do ITCMD. Atualmente, as alíquotas e regras para esse imposto variam conforme a unidade federativa, o que, segundo defensores da medida, cria uma assimetria e um tratamento desigual para contribuintes de estados distintos.
Ademais, a possibilidade de incidência do ITCMD sobre previdências privadas tem sido questionada judicialmente em diversas instâncias, com argumentos que vão desde a constitucionalidade da cobrança até a adequação do modelo tributário em vigor.
Com a exclusão da taxação pela Câmara, especialistas acreditam que o cenário ganhou um importante reforço para contribuintes que possuem planos de previdência VGBL.
Segundo Lucas Babo, advogado associado sênior do escritório Cescon Barrieu, o veto parlamentar sinaliza uma intenção clara do Congresso em não permitir que os estados avancem com a cobrança, algo que deverá influenciar futuros julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
“Apesar de termos uma jurisprudência que é amplamente favorável aos contribuintes, a questão ainda não foi decidida de forma definitiva pelo STF, e a rejeição do Congresso Nacional ao ITCMD nos planos de VGBL indica que a pretensão dos estados em taxar tais planos dificilmente prevalecerá”, pontuou Babo.
Além disso, outro ponto acrescentado por Benevides na emenda aprovada exclui o ITCMD sobre atos societários que venham a beneficiar desproporcionalmente um sócio ou acionista de uma empresa sem uma justificativa comercial plausível.
A medida contempla isenções em operações como a distribuição desproporcional de dividendos e transferências de controle acionário feitas entre familiares de uma pessoa em estado de saúde terminal, gerando uma maior segurança jurídica para esse tipo de planejamento familiar e societário.
Prós e contras para estados e contribuintes
Para os estados, a retirada do ITCMD sobre previdências privadas representa uma limitação na ampliação da arrecadação e na uniformização do imposto. Nos últimos anos, alguns governadores argumentaram que a ausência de uma taxação mais robusta em previdências e sucessões acaba por beneficiar camadas mais abastadas da população, que conseguem esquivar-se de uma tributação mais abrangente sobre o patrimônio transmitido entre gerações.
Porém, para os contribuintes, especialmente aqueles que investem em previdências privadas para garantir uma aposentadoria complementar, a decisão representa um alívio e uma segurança maior de que seus planos de longo prazo não sofrerão uma carga tributária adicional no momento da sucessão.
A proposta inicial gerou resistência também entre investidores e gestores de fundos de previdência privada, que afirmaram que uma taxação sobre heranças de VGBLs poderia minar o interesse dos contribuintes em investir nesse tipo de fundo, reduzindo a arrecadação do setor e diminuindo a base de investimentos voltados para a aposentadoria complementar.
Além disso, o mercado de previdência privada já conta com outras tributações, como o Imposto de Renda sobre o resgate do capital, o que poderia configurar uma sobreposição de impostos.
Próximos passos e expectativa para o Senado
Com a aprovação da emenda e a rejeição da taxação de heranças, o texto final da reforma tributária será agora apreciado pelo Senado. Ali, ainda há expectativa de debates, uma vez que os estados podem pressionar para que o ITCMD sobre previdências seja reconsiderado, mas a aprovação expressiva na Câmara e o apoio demonstrado pelos parlamentares indicam que dificilmente o Senado irá reverter essa decisão.
A tramitação da reforma tributária segue, assim, em ritmo acelerado, com a previsão de ser concluída até o fim deste ano. No cenário atual, analistas acreditam que o Congresso Nacional esteja tentando proporcionar uma resposta a pressões tanto de estados, que clamam por uma fonte de arrecadação mais eficiente e menos fragmentada, quanto dos contribuintes, que buscam um sistema tributário mais transparente e sem surpresas.
A decisão da Câmara demonstra uma atenção especial para os planos de previdência VGBL, sugerindo que o Parlamento está sensível aos impactos econômicos e sociais de uma taxação sobre esse tipo de herança. A derrubada do ITCMD em previdências privadas é vista, portanto, como uma vitória para contribuintes, advogados e investidores, que podem seguir tranquilos quanto ao futuro de suas previdências no planejamento sucessório.