Com a adoção do Registro de Operação de Consumo (ROC) e do split payment, a compensação de créditos ganha automatização e transparência sem precedentes. Essa combinação tecnológica promete eliminar falhas comuns do sistema atual, mas também traz seus próprios desafios, exigindo atenção redobrada durante o processo de implementação
Introdução
A partir de janeiro de 2026, o Brasil mergulha em uma nova era tributária, marcada pela fase experimental da Reforma Tributária sobre o consumo. Neste período, as alíquotas de 0,9% para a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e 0,1% para o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) começarão a ser previstas nas notas fiscais, oferecendo um teste real de integração entre sistemas financeiros e fiscais.
Essa fase não apenas prepara terreno para a extinção gradual de tributos históricos como PIS, Cofins, ICMS e ISS, mas também abre espaço para a modernização via ROC e split payment — mecanismos que visam conferir agilidade e clareza ao recolhimento de impostos.
Ao mesmo tempo em que deseja promover ganhos em eficiência, transparência e segurança jurídica, essa transição exige das empresas uma postura estratégica. A coexistência dos sistemas antigos e novos traz complexidade operacional: é preciso atualizar ERPs, testar processos, treinar equipes e, sobretudo, investir em planejamento tributário. Sem atenção a essa logística, o risco de desencontros entre expectativas e realidade pode gerar custos inesperados — além de disputas judiciais por divergências interpretativas durante o período de adaptação.
Reforma Tributária 2026: Automatização e Transparência na Compensação de Créditos
A partir de 2026, a Reforma Tributária empreende um passo inédito ao automatizar a compensação dos tradicionais tributos sobre consumo — PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI — unificando-os na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Neste ano, inicia-se uma fase experimental em que as empresas destacarão, nas notas fiscais, 0,9% correspondentes à CBS e 0,1% ao IBS, valores estes que poderão ser compensados com os tributos antigos, eliminando a lógica cumulativa e garantindo maior clareza desde o início da operação.
Um dos grandes avanços desse novo modelo é a integração da automação no processo de compensação: graças ao novo documento fiscal nacional (sob o sistema ROC) e ao mecanismo de split payment, os créditos tributários serão automaticamente computados no momento da transação. Isso evita atrasos típicos dos métodos tradicionais, aumenta a segurança jurídica e reduz a incidência de erros e fraudes. Mesmo com essa modernização, a apuração mensal segue obrigatória — mas agora, se algum crédito não for aproveitado automaticamente, pode ser compensado administrativamente ou ressarcido.
O cronograma de transição é graduado e transparente. Em 2027, a cobrança efetiva da CBS começa, e o PIS e Cofins são extintos; o IPI cai para zero — salvo exceções ligadas à Zona Franca de Manaus. De 2029 a 2032, o IBS absorve gradualmente as fatias correspondentes ao ICMS e ISS, até que em 2033 só exista o IVA dual (CBS + IBS), encerrando o antigo modelo tributário sobre o consumo. Nesse percurso, haverá foco em setores essenciais — como saúde, educação e transporte — com alíquotas reduzidas ou isenções, além da implantação de fundos compensatórios para evitar perdas regionais.
Automação e Eficiência na Apuração de Créditos
A adoção do Registro de Operação de Consumo (ROC) e o lançamento de um novo modelo de documento fiscal eletrônico marcam um passo ousado rumo à integração entre os sistemas financeiro e tributário. Na prática, cada vez que você emite uma nota – seja uma compra de insumo ou uma venda –, o ROC age em tempo real, conferindo, validando e extraindo dados fiscais essenciais. Isso significa que, no mesmo instante da transação, o sistema já sabe quais tributos incidirão e, sobretudo, quais créditos podem ser aproveitados.
Split Payment: Nova Dinâmica de Recolhimento
A introdução do split payment representa uma revolução na forma como os tributos serão recolhidos no Brasil. Em vez de passar pelo caixa da empresa e ser pago só no fim do mês, o imposto é retido automaticamente no momento exato da transação, por meio da integração com a nota fiscal eletrônica e os sistemas de pagamento, como cartão ou PIX.
Esse processo pretende eliminar o risco de sonegação e de “notas frias”, além de assegurar que os bons pagadores não sejam penalizados por falhas ou atrasos de terceiros na cadeia. O próprio Bernard Appy, um dos líderes da reforma, chega a chamar o split payment de “coração” do novo sistema, por oferecer segurança jurídica e aumentar a confiabilidade do processo tributário.
Limitações e Exceções na Compensação de Créditos
Na nova sistemática proposta pela Reforma Tributária, a regra da não cumulatividade plena permitirá que os créditos tributários sejam usados de maneira mais ampla — exceto quando se tratar de bens e serviços voltados ao uso ou consumo pessoal. Isso inclui itens como bebidas alcoólicas, produtos derivados do tabaco, armas e munições, além de serviços recreativos, esportivos ou estéticos. Esses itens, segundo a legislação, permanecem fora da compensação automática, justamente para reforçar uma política seletiva e responsável, que desestimule práticas prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Desafios da Transição e Preparação Empresarial
A transição para o novo modelo tributário impõe um desafio significativo às empresas, especialmente aquelas com operações em múltiplos estados. Durante esse período de convivência entre os regimes antigos (ICMS, PIS, Cofins, ISS) e os novos (CBS/IBS), a complexidade técnica e operacional se intensifica. Muitas organizações precisam atualizar seus ERPs, reconfigurar rotinas fiscais e realizar testes constantes para evitar falhas de parametrização — que podem resultar em perda de créditos fiscais e impactar diretamente o fluxo de caixa. Além do risco financeiro, há atrasos no cumprimento de obrigações acessórias, o que expõe a empresa a autuações e amplifica a necessidade de um planejamento tributário cuidadoso.
Essa fase de sobreposição de sistemas também traz consigo uma camada de insegurança jurídica. As novas normas ainda estão sendo desdobradas em leis complementares e regulamentos interpretativos — o que deixa brechas e pontos de controvérsia que frequentemente acabam sendo levados ao Judiciário . Esse cenário tende a elevar a litigiosidade, especialmente se empresas interpretarem regras de forma divergente da Receita, dos fiscos estaduais ou municipais. Não são raros os casos de empresas que se veem envolvidas em disputas judiciais pelo simples fato de ter alíquota ou regime tributário errado, gerando passivos tributários imprevisíveis e onerosos.
Por isso, o planejamento tributário assume papel imprescindível nesse período de transição. Não é apenas sobre atualizar sistemas, mas sobretudo sobre antecipar riscos, mapear cenários e traçar caminhos que minimizem incertezas — desde a análise de impactos das novas alíquotas e bases de cálculo até a revisão de processos internos e contratos.
Empresas bem preparadas serão aquelas que investirem em equipes multidisciplinares — integrando habilidades jurídicas, contábeis e tecnológicas — e que adotarem uma postura proativa de compliance, revisando continuamente suas práticas fiscais. Essa preparação não só reduz litígios como fortalece a governança e a estabilidade em um ambiente regulatório que ainda está se consolidando.
Conclusão
A transição para o novo modelo tributário, centrado na CBS e no IBS, representa um avanço significativo rumo à modernização e à transparência no Brasil. A introdução de mecanismos como split payment, compensação automática e o ROC trazem um impulso à eficiência e à governança fiscal. No entanto, é inegável que esse processo traz consigo desafios concretos: desde a adaptação de sistemas e rotinas operacionais até a necessidade de planejamento tributário estratégico, capaz de mitigar riscos de litígios e garantir conformidade nas operações.
Para enfrentar essa nova realidade com segurança, é essencial que as empresas adotem uma postura proativa. Isso inclui revisar contratos, atualizar ERPs, capacitar equipes, manter atenção rigorosa às regulamentações ainda em formação e contar com suporte jurídico e contábil especializado. A incerteza jurídica que acompanha a etapa inicial da reforma torna o planejamento tributário não apenas uma recomendação, mas uma condição de sobrevivência e competitividade.