1. Introdução
O número de julgamentos sobre ágio no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dobrou em 2024. Mas esse dado, por si só, não revela o impacto silencioso que essa mudança pode trazer para empresas de todos os tamanhos, especialmente aquelas que atuam em operações de aquisição, incorporação e planejamento estratégico. Prepare-se: o ambiente fiscal está mais vigilante, complexo e exigente do que nunca.
2. O Novo Foco do Carf: Processos de Alto Valor e a Mira nas Empresas
2.1. O aumento expressivo nos julgamentos
A movimentação recente da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) evidencia uma mudança de rota que merece a atenção de qualquer empresário atento à saúde fiscal do seu negócio. Em 2024, foram julgados 122 casos envolvendo ágio, mais que o dobro do volume de 2023.
Isso não é coincidência. Essa escalada não apenas revela uma tendência clara de priorização temática, como também uma tentativa do Fisco de intensificar sua presença em disputas complexas, de alto impacto e com grande potencial arrecadatório.
Para empresas envolvidas em reestruturações societárias, esse aumento sinaliza um risco crescente: mais processos sendo analisados em menos tempo, com decisões que podem reverter estratégias inteiras construídas ao longo de anos.
2.2. O critério de prioridade adotado
Mas não se trata apenas de quantidade. A escolha dos processos priorizados escancara uma diretriz clara: os maiores valores em jogo estão sendo colocados no centro da arena. O Carf passou a dar preferência a julgamentos que envolvem cifras bilionárias, onde a arrecadação potencial justifica cada linha de argumentação.
Na prática, isso significa que grandes grupos econômicos, mas também empresas médias com operações estruturadas, especialmente no comércio exterior ou em processos de fusão e aquisição, estão sendo alvos preferenciais. A seletividade do tribunal tornou-se uma ferramenta estratégica da União para tentar aumentar sua receita sem necessariamente aumentar impostos. O risco? Empresas mal preparadas podem ser pegas de surpresa.
2.3. A estratégia por trás do movimento
O plano parecia engenhoso: acelerar decisões em casos vultosos para ampliar a arrecadação da União em meio à pressão fiscal. No entanto, os resultados ficaram aquém do esperado. Mesmo com mais julgamentos, o número de vitórias da Fazenda não acompanhou o ritmo.
O que isso mostra? Que nem sempre intensificar o combate resulta em ganho real. E mais: empresas bem assessoradas, com estrutura jurídica sólida e argumentos técnicos consistentes, continuam conseguindo reverter autuações, mesmo diante de julgamentos cada vez mais duros.
Esse cenário reforça um ponto crucial, em um ambiente onde o Carf se antecipa, é preciso estar alguns passos a frente. E isso começa com um planejamento fiscal que não apenas obedece à lei, mas que antecipa movimentos, identifica riscos e constrói defesas preventivas com inteligência estratégica.
3. O Conceito de Ágio e Suas Implicações Fiscais
3.1. O que é ágio
Imagine comprar uma empresa pagando mais do que o valor do seu patrimônio líquido. Essa diferença, o “ágio”, nada mais é do que a precificação de algo intangível: a expectativa de rentabilidade futura. Em outras palavras, é o valor que se paga pela confiança de que aquele negócio gerará lucros além do que seus ativos indicam.
Essa operação é comum em fusões e aquisições e faz parte da dinâmica saudável do mercado, sendo usada como indicador de valor estratégico. Mas o que parece simples, do ponto de vista contábil, torna-se um campo minado sob a ótica fiscal.
3.2. A amortização como ferramenta contábil
Desde 1997, a legislação permite que esse ágio seja amortizado, ou seja, diluído ao longo dos anos, reduzindo, de forma legal, a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Essa possibilidade abriu espaço para planejamentos fiscais legítimos e eficientes, que otimizam a carga tributária sem infringir a legislação.
Para muitas empresas, especialmente aquelas em processo de expansão ou reestruturação, essa é uma ferramenta valiosa de preservação do caixa e de ganho competitivo. No entanto, o que é legal e o que é interpretado como proibido pode variar conforme a narrativa, e é aí que mora o perigo.
3.3. Por que a Receita contesta
A Receita Federal, nos últimos anos, passou a olhar o ágio com desconfiança. A desconfiança se transforma em autuação quando o Fisco entende que não há um propósito negocial legítimo por trás da operação, ou seja, quando acredita que a compra foi feita apenas para gerar economia fiscal.
Casos em que estruturas societárias são criadas artificialmente, como holdings intermediárias ou empresas “veículo”, estão sob especial vigilância. Na visão da Receita, isso pode configurar simulação ou mesmo evasão fiscal. A consequência direta? Multas, cobranças retroativas e um passivo tributário inesperado. Em tempos em que o Carf intensifica julgamentos e foca nos grandes valores, esse tipo de disputa pode se tornar uma bomba-relógio para empresas que não se prepararam adequadamente.
4. Dois Tipos de Ágio, Dois Pesos e Duas Medidas
4.1. Ágio interno: a regra mudou
A amortização do ágio, quando feita entre empresas do mesmo grupo econômico, o chamado “ágio interno”, sofreu um corte drástico em 2014. A legislação foi alterada para fechar o cerco contra planejamentos considerados abusivos, especialmente aqueles em que uma controladora criava uma operação fictícia com uma subsidiária apenas para gerar créditos tributários.
Desde então, qualquer tentativa de amortizar ágio em operações internas passou a ser vedada, ainda que houvesse um racional econômico envolvido. Para os empresários, essa mudança representou o fim de uma das estratégias mais utilizadas de reorganização societária com efeito tributário relevante.
4.2. Empresa veículo: o ponto de tensão
Uma estrutura recorrente no mercado era a criação de uma empresa veículo para adquirir participações societárias, muitas vezes com sede no exterior. Essa estratégia, legítima em diversos contextos, tem sido constantemente colocada sob suspeita pela Receita Federal.
Como foi visto anteriormente, a acusação mais comum é de que essas holdings foram criadas apenas para viabilizar a amortização do ágio, sem exercerem efetivamente qualquer função operacional. Em muitos casos, essas empresas sequer possuem estrutura física, funcionários ou qualquer atividade além da participação societária. Esse cenário acendeu o alerta da fiscalização e colocou esse tipo de planejamento sob constante escrutínio.
4.3. O que o Fisco procura
Quando o Fisco analisa essas operações, o que ele busca não é apenas o registro formal, mas a substância econômica. Em outras palavras, quer saber se há, de fato, uma razão de negócios por trás da estrutura montada. A ausência de propósito negocial ou a criação artificial de etapas na operação para viabilizar benefícios fiscais são os principais gatilhos para autuação.
Não basta que a operação esteja tecnicamente correta, ela precisa fazer sentido do ponto de vista econômico e operacional. Em tempos de maior vigilância, o que separa um planejamento eficiente de um passivo fiscal é justamente essa substância. E muitos empresários descobrem isso tarde demais.
5. União em Vantagem: Quem Está Perdendo e Ganhando no Jogo do Carf
5.1. Resultados do ágio interno
Em 2024, os dados revelam um claro domínio da União nas decisões sobre operações de ágio interno, com 37 vitórias em 39 casos julgados. Esse cenário reforça a tendência da Receita Federal em questionar a amortização de ágio dentro do mesmo grupo econômico.
A fiscalização, com seu foco na substância econômica, tende a ver essas operações como um meio de reduzir indevidamente a base tributária das empresas. Para as empresas que adotaram essa estratégia, o resultado dos julgamentos não é um simples alerta, mas uma sinalização clara de que o Fisco está cada vez mais implacável em sua abordagem, levando muitas dessas companhias a reconsiderarem suas operações e estratégias contábeis.
5.2. Empresa veículo: um cenário menos desfavorável
Já as decisões relacionadas às empresas veículo mostraram uma realidade mais equilibrada. Dos 73 julgamentos sobre essa estrutura, a União saiu vencedora em apenas 23, o que sugere que, nesse caso, há mais margem para contestação e para que o contribuinte obtenha decisões favoráveis.
O resultado indica que as holdings criadas com o objetivo de captar investimentos no exterior, embora frequentemente questionadas, ainda podem ser defendidas com sucesso, caso haja uma defesa bem estruturada e substancial que justifique a operação. Isso não significa que as empresas devem desconsiderar o risco, mas sim que existe um caminho legítimo para a defesa, desde que acompanhada de uma assessoria competente.
5.3. O que isso revela
Esses números revelam um cenário de incerteza para as empresas que operam com ágio e estruturas de empresas veículo. A mensagem central aqui é que, embora a União esteja saindo vitoriosa na maioria dos casos, há uma linha tênue entre o sucesso e o insucesso nas disputas tributárias.
Para os contribuintes, isso significa que, embora ainda haja espaço para defesa, é essencial estar bem preparado e contar com assessoria jurídica e tributária especializada. As decisões do CARF refletem a complexidade crescente dos julgamentos, exigindo dos empresários não apenas um entendimento técnico, mas também uma postura estratégica e prudente ao decidir como estruturar suas operações.
6. Julgamentos Estratégicos: Quando a Receita Perde Mesmo em Casos Bilionários
6.1. Caso B3: um marco relevante
Um dos casos mais significativos de 2024 envolveu a B3, a Bolsa de Valores Brasileira, que obteve uma vitória crucial no Carf ao conseguir o cancelamento de um auto de infração no valor de R$ 5,7 bilhões. Essa decisão marcou um ponto de inflexão importante, pois a União havia questionado a legítima dedução da empresa, associando a operação à tentativa de elisão fiscal. No entanto, o Carf, ao julgar a questão, entendeu que a B3 agiu dentro da legalidade.
O caso exemplifica como, mesmo em valores bilionários, é possível vencer no tribunal se a empresa apresentar argumentos robustos e bem fundamentados. Este é um alerta para outras grandes empresas que podem estar enfrentando desafios semelhantes.
6.2. A tese validada
A chave para o sucesso da B3 foi a tese que sustentou sua operação. O Carf reconheceu que a incorporação de ações realizada pela empresa não visava apenas uma reestruturação contábil, mas envolvia um real sacrifício econômico, caracterizando uma operação legítima.
A tese defendida pela B3 reforça o princípio de que as operações empresariais devem ser analisadas sob a ótica de sua substância econômica, e não apenas sob a forma como foram estruturadas. Esse reconhecimento é crucial, pois implica que o Fisco não pode invalidar uma operação sem considerar o impacto econômico real da transação, o que dá respaldo jurídico para operações que, embora complexas, são legítimas e vantajosas para a economia da empresa.
6.3. O impacto do precedente
Esse julgamento tem um impacto muito mais amplo do que apenas a vitória de uma empresa contra o Fisco. Considerado um precedente paradigmático, ele pode servir como referência para outros casos similares. O entendimento do Carf sobre a incorporação de ações e a validação do sacrifício econômico como justificativa para tais operações pode moldar futuras decisões, oferecendo maior segurança jurídica para outras empresas que enfrentam disputas semelhantes.
A decisão reforça que, embora o Fisco tenha um papel de fiscalização rigorosa, as empresas podem recorrer à jurisprudência para validar suas operações, desde que apresentem substância e justifiquem adequadamente suas ações.
7. Oscilações de Jurisprudência e os Riscos do Voto de Qualidade
7.1. O papel do voto de qualidade
O voto de qualidade exerce um papel fundamental nos julgamentos do Carf, especialmente quando ocorre empate entre os membros da turma. Nesse cenário, o desempate é decidido pelo presidente da turma, que, por convenção, é sempre um representante da Fazenda Nacional.
Esse mecanismo de decisão tem gerado controvérsias, pois coloca a autoridade fiscal em posição de decidir em casos onde o julgamento entre os outros membros foi dividido. Embora o voto de qualidade seja uma prática legalmente estabelecida, ele pode, em algumas situações, favorecer a Fazenda, tornando as decisões mais pesadas para os contribuintes. Isso coloca as empresas em uma posição vulnerável, onde os resultados podem depender não apenas dos méritos do caso, mas também do equilíbrio político do tribunal.
7.2. A instabilidade nas decisões
Outro desafio significativo para as empresas é a instabilidade nas decisões do Carf, especialmente em relação às jurisprudências envolvendo o conceito de empresa veículo. As decisões variam substancialmente entre as turmas ordinárias e a Câmara Superior, refletindo a falta de uma linha coerente e previsível em relação a esse tipo de operação.
Enquanto as turmas ordinárias, muitas vezes, tendem a ser mais favoráveis às empresas, a Câmara Superior, com uma abordagem mais técnica e rigorosa, tem uma tendência maior a favor da Fazenda. Esse cenário de instabilidade gera incerteza jurídica para as empresas, que ficam na dúvida sobre qual será o posicionamento do Carf em seus casos, especialmente em temas mais complexos, como o ágio entre empresas do mesmo grupo.
7.3. A importância das provas
Em um ambiente jurídico instável e sujeito a decisões variáveis, a apresentação de provas robustas se torna um fator decisivo para o sucesso de uma defesa. Empresas que conseguem demonstrar claramente o propósito negocial de suas operações, como uma justificativa econômica sólida e evidente, tendem a obter decisões mais favoráveis com maior frequência.
A falta de substância econômica, por outro lado, continua sendo um ponto crítico, sendo frequentemente utilizado pelo Fisco como argumento para contestar operações de ágio. Portanto, a coleta e a apresentação de provas que confirmem a legítima intenção de uma operação e a real necessidade econômica da transação são essenciais para garantir que a decisão do Carf seja mais favorável para as empresas envolvidas.
8.1 Panorama no Judiciário: O Que Está em Debate Fora do Carf
8.1. Ações na Justiça em fase inicial
Atualmente, cerca de 150 ações relacionadas ao ágio estão tramitando no Judiciário, muitas delas ainda em fase inicial de instrução. Esses processos surgem como uma reação dos contribuintes às autuações fiscais e buscam contestar a interpretação do Fisco, muitas vezes em casos que ainda não foram completamente decididos pelo Carf.
As empresas estão levando essas disputas para o Judiciário com a esperança de obter um posicionamento mais favorável e uma maior estabilidade nas decisões, uma vez que o Carf tem demonstrado, nos últimos tempos, decisões de difícil previsão. O número crescente dessas ações indica que as empresas estão adotando uma postura proativa, buscando proteção jurídica diante do risco elevado de autuações fiscais sobre o ágio, que pode impactar de forma significativa suas operações.
8.2. Divergências nos tribunais superiores
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem apresentado decisões divergentes sobre o tema do ágio, especialmente entre suas turmas. Essas divergências acentuam o clima de incerteza e a falta de uma linha jurídica uniforme, o que dificulta a capacidade das empresas de anteciparem o desfecho de suas disputas.
Embora o STJ tenha sido um ponto de referência em questões tributárias, as variações nas decisões entre suas turmas indicam que a jurisprudência sobre o ágio ainda não está consolidada, o que torna a defesa mais complexa. Empresas que dependem da uniformidade das decisões judiciais para o planejamento de seus negócios enfrentam um cenário desafiador, já que, a cada nova decisão, o risco de um desfecho desfavorável aumenta.
8.3. O que isso significa para as empresas
Dado o cenário de incerteza no Carf e no Judiciário, as empresas não podem mais se basear unicamente em precedentes do Carf para elaborar suas estratégias de defesa. É essencial adotar uma abordagem jurídica mais ampla, que envolva uma visão estratégica que contemple tanto o panorama administrativo quanto o judicial.
Isso exige uma compreensão profunda das diferentes nuances que o ágio pode apresentar, bem como um acompanhamento atento das decisões em ambos os tribunais, para que o planejamento tributário seja o mais robusto possível. Empresas que adotam uma visão limitada, baseada apenas nos precedentes administrativos, correm o risco de não estarem preparadas para as oscilações e divergências judiciais, que podem impactar suas finanças de forma significativa.
9. Conclusão
O cerco fiscal está se fechando, e não apenas para os gigantes do mercado. Pequenas e médias empresas que operam com estruturas societárias, aquisições ou reorganizações empresariais estão cada vez mais no radar da Receita. Diante de decisões que oscilam, multas elevadas e interpretações agressivas do Fisco, o planejamento tributário deixou de ser uma opção. Tornou-se necessidade.
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